Por Dani Balbi e Hugo Silva

No Rio de Janeiro, a violência deixou de ser um fator externo ao cotidiano escolar para se tornar parte da experiência educacional. Ela não acontece à margem da escola, mas dentro dela, mesmo que os tiros ainda estejam do lado de fora. Um estudo recente do Instituto Fogo Cruzado, com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF), revelou que 46% das escolas públicas da Região Metropolitana do Rio registraram episódios de tiroteio em suas proximidades. Isso significa que quase metade das crianças e adolescentes matriculados na rede pública vive o cotidiano escolar sob ameaça de balas perdidas, operações policiais e confrontos armados.

Essa realidade não é apenas um reflexo da insegurança pública, mas a expressão de um projeto de Estado que opta por istrar a barbárie em vez de garantir direitos. O que se normaliza, no fundo, é a ideia de que certos territórios, assim como os corpos que os habitam, são menos merecedores de proteção, de investimento, de permanência. A escola pública nas periferias do Rio se tornou um campo de batalha onde o direito à educação disputa espaço com a lógica da guerra.

É nesse cenário que a evasão escolar se instala, silenciosa e contínua. Não por desinteresse dos estudantes, mas por medo, luto, deslocamento forçado e esgotamento emocional. A insegurança territorial gera faltas, as faltas viram defasagem, a defasagem vira abandono. É um processo em cadeia que mina a escola pública como projeto civilizatório. Estamos falando de jovens que faltam às aulas porque houve operação na porta de casa, de professores que ensinam com o barulho de tiros ao fundo, de mães que escolhem entre garantir o direito à educação ou manter o filho vivo. Isso não é escolha: é violência política travestida de omissão. É projeto!

Não é possível falar de políticas educacionais sérias sem enfrentar de frente a lógica militarizada que domina a gestão da segurança pública no estado. A presença ostensiva da polícia nos territórios populares, muitas vezes guiada por estigmas raciais e por estratégias de confronto, torna a escola refém de uma guerra que não começou ali, mas que ali explode. Mais do que proteção, o que se impõe é o cerco. E não se aprende sob cerco.

O que fazer diante desse cenário?

A resposta não é simples, mas ela começa pela recusa da naturalização. A escola precisa ser reconhecida como território de paz, de política e de reparação histórica. Para isso, é urgente o mapeamento público e transparente da violência escolar. Tornar públicos os dados de ocorrências armadas nas imediações das escolas e seus impactos diretos nas atividades escolares, com georreferenciamento e atualização constante, permitindo planejamento territorial sensível à realidade, a ativação de protocolos articulados entre educação, segurança, saúde e assistência social, que prevejam rotas seguras, mecanismos de alerta, suspensão de operações em horários escolares e acolhimento e suspensão imediata de operações policiais nos horários de entrada e saída das escolas. Nenhuma política de segurança pode ser razoável se coloca crianças e adolescentes em risco para manter supostos índices de combate ao crime.

Um novo projeto de país começa na escola e a luta por escolas seguras a pela disputa da cidade como um todo. Pela recusa de um modelo de desenvolvimento que concentra riquezas e militariza a pobreza. Pela valorização da escola como espaço estratégico de justiça social. E pelo compromisso inegociável de que toda criança, em qualquer território, tem o direito de estudar em paz.

Não se trata de “proteger a escola da violência”. Trata-se de reconhecer que a violência é parte de um projeto mais amplo, que precisa ser derrotado com política, com investimento, com coragem institucional e com organização popular. A educação não pode ser interrompida por tiros. E o futuro não pode ser suspenso por medo.

*Dani Balbi é deputada estadual pelo PCdoB no Rio de Janeiro
*Hugo Silva é presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas