Por Fabiana Hirata

Se você acompanha sempre os esportes ou as Olimpíadas, é provável que já tenha ouvido falar de Ingrid, ou “a menina da polêmica da Olimpíada do Rio”. As Olimpíadas são sempre repletas de mil e uma histórias, e a do Rio 2016 não foi exceção. Tivemos atletas que ‘fugiram’ da vila para ir para a noitada, a “noitada” de Usain Bolt com uma não atleta em seu quarto e “a atleta que expulsou sua colega de quarto para fazer sexo na vépera da competição”. Qual a diferença entre elas? O tratamento que os atletas receberam, e o fato de dois acontecimentos terem sido de atletas homens e um com uma mulher. 

Nascida em Niterói, desde pequena Ingrid sonhava em viajar pelo mundo. Com incentivo da mãe e da irmã, se inseriu no esporte com 9 anos. Aos 12 anos, decidiu tentar algo novo e trocou a ginástica pelos saltos ornamentais. Ingrid já mostrou talento para o esporte mesmo tendo medo de altura. Incentivada pelos treinadores, acabou pegando gosto pela modalidade.

Em 2009, participou de seu primeiro Pan-Americano Júnior em Calgary (Canadá). Já em 2013, foi até a Colômbia competir, onde ficou por 8 dias. Quando voltou ao Brasil, foi surpreendida pela terrível notícia de que sua mãe estava internada há três dias. Sua mãe infelizmente chegou a falecer, porém Ingrid queria realizar seu sonho e o de sua mãe, que era de ver a filha em uma Olimpíada.

Nos Jogos Pan-Americanos Toronto 2015, Ingrid conquistou a medalha de prata na Plataforma de 10m em duplas. Ingrid estava assim, um o mais próxima da sonhada Olimpíada.

Rio de Janeiro, Jogos Olímpicos do Rio 2016. Ingrid, então com 20 anos, participava de sua primeira Olimpíada. Era o dia seguinte a cerimônia de abertura dos Jogos e o início de uma jornada de sonhos para muitos atletas que se preparavam para competir. Mas para Ingrid Oliveira era apenas o início de um pesadelo que duraria muito tempo.

Foto: Satiro Sodré/CBDA

Durante o jantar, Ingrid é chamada às pressas pelo COB. A razão? Na noite anterior Ingrid havia levado um outro atleta para seu quarto, e a notícia havia vazado. Ambos os atletas foram advertidos pelo COB e avisados que apenas não seriam expulsos da delegação por terem um histórico impecável, porém deveriam ficar cientes de que a notícia seria publicada no jornal do dia seguinte.

O que se sucedeu foi então uma série de acontecimentos preconceituosos e machistas que Ingrid teria de encarar sozinha. Em poucas horas, a imprensa de diversos países publicaram inúmeras matérias comentando o “absurdo” que era uma jovem atleta fazer sexo com outro atleta durante as Olimpíadas. O perfil do instagram da atleta quase triplicou de tamanho, e vieram os inúmeros comentários xingando e fazendo “propostas” para a atleta. 

Ingrid, inevitavelmente, sentiu-se humilhada e já não tinha quase mais forças para sair da cama. Ficava escondida em seu quarto a maior parte do tempo, saindo apenas para treinar e para se alimentar, pois tinha vergonha de andar na Vila Olímpica. Dias depois na competição, Ingrid e sua dupla não se saíram bem, o que inflamou ainda mais os haters de plantão.

Após as Olimpíadas, Ingrid continuou a sofrer com a repercussão do caso. O título de ‘piriguete’ fez com que a atleta além de se isolar na vida pessoal, fizesse com que marcas não quisessem patrociná-la, afinal ela não tinha uma imagem de pessoa ‘direita’.

Os recursos que já eram poucos, ficaram então menores e Ingrid dependia da Bolsa Atleta e do seu salário de atleta para se sustentar. 

“ Eu fui detonada pelo mundo inteiro. Eu fui assediada. ​​Recebi pornografia. Recebi proposta para fazer programa – sexual, não de televisão. Eu perdi trabalhos. Fui atacada por jornais do mundo inteiro. Na Wikipedia, eu fui definida como a ‘A menina que fez salto com vara’. (…) Criaram uma história e repostaram, repostaram e repostaram.”

Em 2019, Ingrid resolveu pela primeira vez falar sobre o caso e contar o que realmente aconteceu. Em entrevista para o UOL, Ingrid contou: “A única verdade é que eu levei o Pedro para o meu quarto. Mas não foi na véspera da minha competição, nem da competição dele. Ele não ou a noite comigo. Eu não expulsei ninguém do quarto. Eu não fui expulsa da Olimpíada. Colocaram de uma forma que pareço uma desmiolada”.

Apesar de todo o assédio e machismo que continuou a sofrer desde 2016, Ingrid continuou a lutar, tendo sempre que provar que além de uma pessoa bonita era sim uma atleta incrível. Desde então, Ingrid conquistou (entre outros):

  • Pan-americano de Lima 2019 – Ouro – Plataforma individual e Sincronizado misto – dupla
  • Sul-Americano Peru 2018 – Ouro – Plataforma de 10m individual / Sincronizado misto – dupla / Sincronizado feminino (dupla) | Prata – Plataforma de 3m (dupla fem) / Bronze – Plataforma de 10m (dupla mista)
  • Sul-Americano Bolívia 2018 – Ouro – Plataforma de 10m individual | Bronze – Plataforma de 10m dupla

Foto: Reprodução / Instagram

No Pan-Americano de Lima, Ingrid conseguiu garantir sua vaga para a Olimpíada de Tóquio, no entanto a pandemia apresentou mais uma série de desafios para a atleta. As piscinas do clube onde treinava ficaram fechadas, e Ingrid não tinha mais onde treinar. Para se manter ativa, a atleta teve que se virar no isolamento. A reabertura das piscinas e dos centros de treinamento trouxeram a esperança de um bom desempenho em Tóquio. Durante sua preparação, Ingrid participou do FINA Grand Prix de Bolzano, onde conquistou o Ouro na Plataforma de 10m.

Ingrid Oliveira embarcou para os Jogos Olímpicos sem clube, porém a performance da atleta parece ser um tópico que não interessa muito à imprensa. Pois com uma breve consulta no buscador você achará diversas matérias mencionando a “polêmica de 2016” e objetificando a atleta. 

A busca por um novo local de treino será mais uma batalha que Ingrid terá de enfrentar após a Olimpíada. Que essa seja uma batalha abençoada por uma medalha, e sem o machismo e sexismo já tão sofrido por ela. 

Texto realizado em cobertura colaborativa da NINJA Esporte Clube